23/12/2005

NATAL


Alguém me disse que escrever, me fazia ficar diferente, mais calma, mais tranquila.
Será talvez da época que se aproxima, será...talvez não sei.
Vou contar os Natais de Maria, falou-me neles à dias e algo me tocou, neste relato.
Os avós maternos de Maria eram do Norte, eram porque já não estão entre nós,
mais própriamente de Viana do Castelo.
O avô era comediante, trabalhava de malabarista, acho eu, num circo, a avó acompanhava-o pelo país fora, com as filhas atraz.
Numa das suas passagens por Coimbra, levantou arraiais e foi-se sozinho abandonando a senhora com as quatro filhas nesta cidade, onde não conhecia ninguém.
A pobre senhora jurou para si própria que se fora esta a cidade a escolhida para a deixar seria nela que iria viver com as suas filhas.
Era determinada, trabalhou a dias para as senhoras da Alta Sociedade Coimbrã.
Lavou-lhes as roupas no rio Mondego usual na época da Segunda Guerra Mundial.
Foi mãe e pai daquelas meninas que não tinham pedido para vir ao mundo, mas que tinham de sobreviver.
Todas elas fizeram a primária até á 3ª classe porque não dava para mais, foram trabalhar cedo para as senhoras e mais tarde para fábricas de tecidos locais.
Casaram todas menos a mais nova que entretanto com 30 anos cegou.
Cãndida a mais velha teve duas filhas, Virgínia a do meio teve dois rapazes e Alice a mais nova, mãe de Maria teve 5 filhos, dois rapazes e três raparigas.
Maria recorda com carinho os Natais em casa da avó, onde se juntavam todos, avó ,filhas, genros, netos e netas.
Aquela senhora que se vira só com as suas 4 filhas, tinha agora a casa cheia.
Era uma algazarra imensa por aquela casa.
Ficavam até altas horas da noite, na conversa, e eram felizes, porque estavam juntos naquela noite especial.
Com o passar dos anos, por um motivo ou por outro, foram-se afastando, sobretudo porque o pai de Maria, que tinha um feitio bastante difícil deixou de querer ir. Não fora serem 4 filhos e aqueles natais seriam uma tristeza.
Ana teve duas filhas, Rui, um casal, Maria uma e Claudia não teve filhos, devido a uma doença de que padece, encontravam-se todos os anos pelo Natal em casa de Alice. A festa continuava.
Maria casara e passava um em casa dos pais e o seguinte em casa dos sogros, arranjava sempre tempo para passar em casa dos pais uma vez que os sogros íam cedo para a cama, e lá ficavam eles em amena cavaqueira nos comes e bebes até altas horas, estavam juntos e isso deixava-os felizes.
Não importava que as prendas não fossem muitas, havia para os pequenitos e isso bastava porque os deliciava, ver os petiz a abri-las.
Maria confidenciou-me que hoje o Natal não lhe diz nada, o marido não quer ir para lado nenhum, ficam os três em casa sós.
Disse-me que não há Natal agora, em que as lágrimas, não lhe saiam pelos olhos, quando se lembra dos Natais da sua meninice e nos pais em sua casa com os irmãos.
Perguntava-me no fim deste relato: Porque será que o Natal não é para todos ?
Vou estar contigo Maria, o meu pensamento vai estar contigo amiga.
Este vou fazer-te companhia a todas as horas com o meu pensamento.

13/12/2005

O DIÁRIO DE MARIA

3 - Adolescência

Tinha 14 anos, continuava magricela, enfezada e feia, pelo menos era assim que se sentia. quando olhava para Ana e a via, bem formada, bem morena, cabelos e olhos negros, linda de morrer.
Enquanto Ana tomava atitudes de adolescente, olhava os rapazes como tal, Maria continuava infantil, lembra-se de descer a ladeira da Rainha Santa aos pulinhos á frente da irmã, enquanto esta barafustava com ela. Pedia-lhe para se comportar, porque lá em cima estavam os militares e parecia mal ela de saltos altos e mini-saia acompanhar uma miúda aos pulos atrás de si.
Maria sentia um prazer mórbido em a contrariar.
Chegou aos 14 anos da mesma forma como passou pelos 13, 12 e 11. Era infantil e gostava de ser assim, sentia-se bem na sua pele de menina, sem as frescuras da irmã.
Foi nesse estado de espírito que a sua vida levou uma reviravolta de 180º.
Ana apareceu grávida. O pai de sua filha, era um vizinho de 23 anos, que se recusou a assumir a paternidade da bébé. Foram momentos dolorosos e de angústia.
Ana abandonou a escola, rumou ao Entroncamento para casa da cunhada, com quem entretanto o irmão que andava na tropa se íria casar.
Os pais esses queriam poupá-la á vergonha de ser mãe solteira.
Pensaram ser o melhor para ela, retirá-la do ambiente promíscuo do falatório dos vizinhos. na época uma míuda engravidar sem ser do namorado, e ainda por cima o dito recusar a paternidade era algo de desvastador.
A mãe solteira era um estigma que ficava para sempre.
Maria sentiu-se só e abandonada, ficava sem a grande amiga e confidente, a mãe chorava a mágoa, o pai gritava por tudo e por nada, Maria ficava cada vez mais sozinha.
Lembra de ir para o liceu e passar intervalos e feriados inteiros, sozinha, sentada no chão, encostada aos muros da escola, completamente só, as lágrimas corriam-lhe pela cara abaixo enquanto lembrava os gritos do pai, o choro da irmã que partia. A revolta era imensa, não era justo.
Quando a vida finalmente lhes sorria, algo deitava tudo a perder.
A felicidade é efémera, tomava conciência disso.
Sentia falta da irmã, não tinha amigos, ninguém com quem conversar e desabafar as suas mágoas.
Alturas havia em que no liceu, ía para a casa de banho, trancava-se lá dentro enquanto durava o intervalo, tinha vergonha de a verem sempre só, era a sua defesa, a sua forma de se resguardar dos olhares maldosos dos colegas.
O tempo foi passando, a mágoa e a dor atenuando.

06/12/2005

Férias


Maria sentia-se cansada. Foi de férias.
Disse-me, que precisava de uns dias só para ela.
O destino das férias, uma ilha que possui, ninguém sabe onde, algures nesse mundo, mas que é só sua.
De vez em quando, Maria isola-se, adora ir para a sua ilha e fazer o que lhe apetece.
Construíu uma cabana, que é o seu refugio. Adora passear com passos calmos, estender-se na areia e olhar o céu, de um azul límpido, que no horizonte, se junta o mar. Só na sua ilha Maria sente paz, o bater das ondas na areia, o barulho das gaivotas, dá-lhe tudo o que a vida lhe tem negado, calma, sossego, felicidade.
Á noite, saía da cabana, deitava-se na areia e olhava o céu, as estrelas, em cada uma sentia a companhia de um amigo, adorava imaginar que cada uma era um e dáva-lhes os seus nomes.
De vez em quando Maria mostrava a sua ilha aos amigos mais chegados, entre os os quais eu. Deliciei-me a olhar para aquela paisagem.
Perguntei-me como era possível alguém ter um local tão lindo, tão cheio de paz onde se refugiar, senti inveja.
Era o seu porto seguro, dizia-me.
Confiava que ninguém conseguia lá chegar, pois ninguém conhecia o caminho, entre ela e o mundo existia o mar imenso, difícil de transpor.
Um dia alguém a seguiu, sem que desse por ela, devagarinho, lentamente, foi invadindo o seu espaço.
Maria sentiu a ameaça pairar no ar. Que faria agora? Continua a sentir-se só, mas de vez em quando uma luz, forte aparece no seu horizonte.
Ainda hoje não sabe a resposta, por isso foi de férias, precisa de por as ideias no lugar.
Disse-me que quando voltar, vai trazer as ideias no lugar.
Espero que sim amiga....
Boas férias, descansa...