08/08/2007

AQUELA CADEIRA



Sou pequenina...





A 24 de Julho de 1984, iniciava uma nova etapa da minha vida. Iniciava funções no Ministério da Saúde como contratada.


Durante 5 anos, trabalhei no serviço de Alimentação dos HUC (Hospitais da Universidade de Coimbra), depois passei a Auxiliar de Acção Médica, no serviço de Cirurgia Vascular, no 4º piso da instituição.


Os primeiros cinco anos foram terríveis, detestava trabalhar na Alimentação, e por isso, pedi transferência. Por esta altura já tinha casado, comprado o meu primeiro andar, tido a minha filhota, e desistido do meu curso na Escola Superior de Educação.


Ainda hoje me pergunto se terei feito bem, mas penso que sim, penso que teria dado uma má professora.


Os segundos 5 anos foram gratificantes, adorava o contacto directo com os doentes, ainda hoje tenho saudades desses momentos que passei com eles, ouvindo-os desabafar as suas dores e temores. O serviço onde trabalhava, era muito duro e trabalhoso, saía ao fim de um turno completamente esgotada física e psicológicamente.


A grande percentagem dos doentes, ou era ou viríam a ser, mais dia menos dia, doentes amputados, e como tal, necessitando do nosso esforço físico. Quando os médicos lhes diziam que íam ser amputados, era connosco, auxilires que passávam a maior parte do tempo, era connosco de desabafavam as suas mágoas e angústias. Modéstia á parte, comigo falavam bastante, e eu conforme podia e conseguía, lá ía deixando as minhas palavras de carinho e conforto.


De entre as minhas tarefas, uma delas era transportar os doentes do meu serviço, pelos vários serviços do hospital, quer para consultas, tratamentos ou exames complementares de diagnóstico. Para isso levava-os quase sempre em cadeira de rodas, uma vez que a maior parte deles se encontrava impossibilitado de caminhar.


Nunca ao longo desses 5 anos me perguntei, o que sentiriam eles quando se sentavam naquela cadeira, qual sería o sentimento que os assolavam.


Mandavam-me levar os doentes de cadeira, e era isso que fazia sem contestações ou perguntas, porque era mais fácil e rápido, mas curioso, nunca me pus no lugar deles, ou sequer questionei, o que sentiría um doente amputado, ou debilitado, sentado naquela cadeira.


Hoje pergunto-me isso, porque passei pela experiência, e não gostei. É curioso, como certas perguntas só nos assolam, quando passamos pelas situações.


No fim do mês de Julho, tive mais uma consulta no IPO, nesta fase do campeonato, sentía-me tremendamente debilitada. No dia anterior tinha ido fazer um exame ao coração, porque aparentemente este estava enfrequecido devido aos tratamentos.


Sempre fui forte, sempre tentei ser autosuficiente, mas sinceramente, nesta altura, era difícil movimentar-me, cada passada que dava representava um tremendo esforço para mim, mas lá ía caminhando, devagarinho.


Fui fazer as análises, apoiada pela minha filhota Caty, subi as escadas com muito esforço, sentía-me estúpidamente incapacitada e revoltava-me sentir-me assim. Fui á consulta, onde a médica me informou que não podía fazer o último tratamento de quimioterapia porque o o coração estava debilitado e não aguentava, falo-ía em comprimidos, e tería de ir a uma consulta de Cardiologia nesse mesmo dia.
A Cardiologia do IPO, é noutro edifício e lá vim eu, nesta altura já me sentia com imensa dificuldade, mas lá vim eu apoiadapela minha Caty, a mana Paula, e a amiga Sininho.
Não me largaram o dia todo, bem como outros dias dolorosos da minha vida.
Mas neste estavam lá, Deus as abençoe por isso.
Na consulta da cardiologia, entrei em pânico, mandaram-me para o ECG, o Ecocardiograma e finalmente, para o Rx que era noutro edifício.
Pensei para mim, como iria conseguir andar até lá, não era longe, uns 150 metros, com subidas e descidas, e meu Deus como me custava subir..
A esta altura, alguém adivinhou os meus pensamentos, quase de certeza a mana Paula, que sempre atenta aos pormenores lá apareceu com uma cadeira de rodas.
Sentei nela e aí, que sensação de cansaço, de impotência, de fragilidade, de debilidade.
Toda a vida, fui eu que levei, fui eu que transportei doentes, sem nunca me perguntar como se sentiriam, naquele momento era eu que era levada, e sentia-me pequenina, tão pequenina, porque pela primeira vez não era autosuficiente.
A vida prega-nos partidas e enquanto eu era levada para o edifício do RX, passei pela médica, a Dra Isabel Pazos, por enfermeiros, e pessoal por mim já conhecidos, por pessoas desconhecidas e sentía o olhar de pena deles. *Parecia que estava no fim da linha, não queria sentir esse sentimento de derrota jamais.
Naquela cadeira senti-me pequenina...
Hoje, e agora, sinto que aqueles sentimentos foram tão errados quanto legítimos, eram os meus sentimentos...
Hoje sei que termos que agradecer a todos aqueles que nos transportam, com mais ou menos dificuldade, porque nos estão a poupar a sofrimento maior, o de atingirmos os nossos limites.
Deus vos pague meninas e permita que se um dia forem transportadas " naquela cadeira", o sejam com tanto AMOR e carinho, com que eu o fui, e nunca com a indiferença, com que eu o fiz ao longo dos anos... indiferença relativa mas sem questões.
Amo-vos Paula; Sininho e Catarina.
Amo-vos para sempre, e porque não me deixaram aquele momento de debilidade, nem em nenhum outro momento em que precisava de vós.
Brincaram muito, só faltou sentarem um médico ou enfermeiro boracho no meu colo...
Poxa, mas também não passou nenhum por nós!
Devia haver uma lei, que só deixasse contratar borrachos para o IPO, assim seria levada mas feliz com um borracho no meu colinho!...
Eheheheh.
Amo-vos